segunda-feira, 28 de junho de 2010

Soneto de amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!





José Régio, in "Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica" antígona/frenesi (1999)

Viennese Actionism in your head



quinta-feira, 24 de junho de 2010

Fractal

Acto surrealista

«O mais simples dos actos surrealistas consiste em vir, de revólver em punho, para a rua e atirar ao acaso, tanto quanto possível, sobre a multidão. Aquele que, ao menos uma vez, não teve vontade de acabar desta maneira com o sistemazinho de envilecimento e cretinização em vigor, tem o seu lugar muito bem reservado nesta multidão, ventre à altura do cano.»




André Breton                

Manual de civilidade para meninas

NA ESCOLA

_quando te disserem que a gaita de foles é um instrumento usado pelos pastores, não deves contestar afirmando que todos os homens a usam.

_se o professor te pedir emprestada uma caneta não deves, só por isso, parecer que foste convidada a fazer-lhe um broche.(1)

_se o resultado de uma soma for 69 não deves rir como uma idiota.

EM VISITA

_dizer a uma senhora que são belos os seus cabelos louros, é amável; perguntar-lhe em voz alta se os pintelhos são da mesma cor, é indiscreto.

SUPERSTIÇÕES

_para um homem se apaixonar por ti põe-lhe um grão de sal na ponta da gaita(2) e chupa-a até ele se dissolver.

_depois de perderes a virgindade, não deves dirigir-te a Santo António de Pádua para a recuperares. Lembra-te que o Santo António de Tebaida meditou muito sobre as questões do sexo, mas o de Pádua... nem de longe as cheirou.

_não rias durante o sermão se o pregador parecer acreditar «na pureza das raparigas cristãs».

NA CONFISSÃO

_não te masturbes no confessionário para aproveitar, logo de seguida, a absolvição.

EM PASSEIO

_se já tens marmelos, não os destapes a torto e a direito para dar de mamar às bonecas. É uma atitude consentida às amas, mas nunca às raparigas.

NA RUA

_dar uns tostões a um pobre para ele comprar um pão é uma acção meritória; chupar-lhe a gaita porque não tem amante é um exagero. Nada te obriga a fazê-lo.

NAS LOJAS

_não deves entrar num cabeleireiro e dizer, descaradamente, que desejas os pêlos da rata(3) frisados.

NÃO DIGAS... DIZ...

_não digas «vou masturbar-me»; diz «vou ali e já volto».

_não digas «quando tiver pintelhos»; diz «quando eu for crescida».

_não digas «tenho vontade de foder»; diz «estou nervosa».

_não digas «ele dá três sem desencavar»; diz «tem um carácter muito firme».

_não digas «tem uma pixota grossa demais para a minha boca»; diz «sinto-me pequena quando falo com ele».

quarta-feira, 23 de junho de 2010

The art of Christian Northeast



À PORTA DA INSÓNIA

Já o real absorve a irrealidade,
porém que realidade é a da noite
só vivida em palavras? Em vão tento
criar uma sequência de momentos, de
tudo esvaziados, se falho não sei
se é por obras palavras ou imagens


Paro à porta da insónia, e no magro intervalo,
que se alarga depois, reaparece a casa: dentro
dela estou afinal, o estrago que me envolve

é igual ao que também não sei que mal
mortal fez no tecto do sono,
por onde agora entra a realidade




Gastão Cruz, in "a moeda do tempo" assírio & alvim (2006)

domingo, 20 de junho de 2010

Pure Beauty

  

Caminho

que rua é esta que nos separa ao longo da qual seguro a mão dos meus pensamentos
uma flor está escrita na ponta de cada dedo
e o fim da rua é uma flor que caminha comigo



Tristan Tzara, in "Qual é a minha ou a tua língua?" assírio & alvim, 2008
trad. Jorge Sousa Braga

sábado, 19 de junho de 2010

Suspenso da Terra

Cansado do menor desamparo, cansado do maior -
Ao olhar os pés nus na beirada da cama, da poeira,
Você rói as unhas das mãos (cresceram de novo). Na boca
Um odor que lhe faz se sentir só ao dar uma gargalhada.
De manhã, no quarto frio, ninguém dá gargalhadas. No cérebro
Arde uma ânsia, quase incontida, de sair lá fora.
Que o corpo não enfraqueça ao menor pensamento
Nesta mucosidade que ele era, no resto de cinza
Que ele se acumula em superfície nenhuma.
Tudo é cilada - nos olhos, nos ouvidos. Alarmado
Você desperta, suspenso da terra, cruel em toda a inocência,
Um jovem vampiro que sonhou com o pescoço de sua namorada
Entre os dentes a carne de ontem.

Nude women in blue erotism


                                

terça-feira, 15 de junho de 2010

PARA MAIS DO QUE EU

Sou aquele que busca Um caminho.
Para tudo o que é mais
Do que
Metabolismo
Circulação sanguínea
Alimentação
Decomposição das células.


Sou aquele que busca
Um caminho
Que é mais largo
Do que eu.


Não demasiado estreito
Não a via-de-um-homem-só.
Mas tampouco
A poeirenta estrada
Mil vezes percorrida.


Sou aquele que busca
Um caminho.
Um caminho
Para mais
Do que eu.




Günter Kunert, in "90 poemas" apáginastantas, 1983

Stripped

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Erotic,by Jean-Paul Four


SIDI AMAR NO INVERNO

Penso que nunca vi o teu rosto
Num dia de chuva, quando as sombrias artérias do céu
Pulsam junto às árvores, e no teu coração
A água corre. Nunca te vi chorar
Com o monólogo da noite, com a tua mente resistindo ao silêncio.


Chegará o dia em que as linhas do céu
Se desprenderão das torres
E em que tu, que tremes pela noite
Partirás para os lugares sombrios ao lado de um desconhecido.

Paul Bowles, in "Poemas" assírio & alvim, 2008

trad. José Agostinho Baptista

Madrigales

I
Déjame ya ocultarme en tu recuerdo inmenso,

que me toca y me ciñe como una niebla amante;

y que la tibia tierra de tu carne me añore,

oh isla de alas rosadas, plegadas dulcemente.



Y estos versos fugaces que tal vez fueron besos,

y polen de florestas en futuros sin tiempo,

ya son como reflejos de lunas y de olvidos,

estos versos que digo, sin decir, a tu oído.



II

Llámame en la hondonada de tus sueños más dulces,

llámame con tus cielos, con tus nocturnos firmamentos,

llámame con tus noches desgarradas al fondo

por esa ala inmensa de imposible blancura.



Llámame en el collado, llámame en la llanura

y en el viento y la nieve, la aurora y el poniente,

llámame con tu voz, que es esa flor que sube

mientras a tierra caen llorándola sus pétalos.



III

No es para ti que, al fin, estas líneas escribo

en la página azul de este cielo nostálgico

como el viejo lamento del viento en el postigo

del día más floral entre los días idos.



Una palabra vuelve, pero no es tu palabra,

aunque fuera tu aliento que repite mi nombre,

sino mi boca húmeda de tus besos perdidos,

sino tus labios vivos en los míos, furtivos.



Y vuelve, cada siempre, entre el follaje alterno

de días y de noches, de soles y sombrías

estrellas repetidas, vuelve como el celaje

y su bandada quieta, veloz y sin fatiga.



No es para ti este canto que fulge de tus lágrimas,

no para ti este verso de melodías oscuras,

sino que entre mis manos tu temblor aún persiste

y en él, el fuego eterno de nuestras horas.

Nudes,by Blackvertising



domingo, 6 de junho de 2010

Industrial generation

Deadly Perception


The flow



Nu Lost Generation -2006-

   

                                   Factory2010 (DINA4 Mixed Media print on bamboo290).


Blow Smoke (mixed media print on canvas).

Into Wasted Land

Mundo moderno...

É inútil procurar iludir-se com as quimeras de qualquer optimismo: estamos hoje no final de um ciclo. Desde há séculos, insensivelmente primeiro, depois, como o movimento de uma massa que desaba, processos múltiplos destruíram no Ocidente todo o ordenamento normal e legítimo dos homens, falsearam toda a concepção elevada do viver, do agir, do conhecer e do combater. Ao movimento dessa queda, à sua velocidade, à sua vertigem, chamou-se “progresso”. Ao “progresso” foram dedicados hinos e supôs-se enganosamente que esta civilização — civilização de matéria e de máquinas — fosse a civilização por excelência, aquela a que toda a história do mundo estava pré-ordenada: até que as consequências últimas de todo o processo se manifestaram tais, que impuseram a alguns um despertar.
 

sábado, 5 de junho de 2010

Alan Tex





Contact: alantex@lagalerie.be

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Maria sejas louvada

Maria sejas louvada
Como és tão apertada
Uma virgindade assim
É coisa demais p'ra mim.


Seja como for o sémen
Sempre o derramo expedito:
Ao fim dum tempo infinito
Muito antes do amen.


Maria sejas louvada
Tua virgindade encruada
'Inda me pões fora de mim.
Porque és tão fiel assim?


Por que devo eu, que dialho
Só porque esperaste tanto
Logo eu, o teu encanto
Em vez doutro ter trabalho?




(Tradução de Aires Graça)

Joanna Fishnets





Vintage Tattoo 2

Solitários...

"Nós, os solitários,nós, sonhadores isolados, deserdados pela vida, que gastamos nossos dias de introspecção perdidos num ar gélido e artificial, espalhando um sopro frio como que proveniente de regiões estranhas, sempre que estamos entre seres humanos vivos que veem nossas frontes marcadas com o sinal da sabedoria e do medo; nós, pobres fantasmas da vida, que somos recebidos com um olhar embaçado, e logo que possível deixados a sós, para que nosso olho vazio e perquiridor não sombreie a alegria... Todos nós acalentamos uma oculta e insaciável nostalgia das coisas inocentes, simples e reais da vida; um pouquinho de felicidade amável, devotada, humana e familiar. Aquela 'vida' da qual estamos apartados -- não a encaramos como uma beleza selvagem e um esplendor cruel, não é pelo extraordinário que possa conter que ansiamos por ela, nós, que somos os extraordinários. O reino do nosso nostálgico amor é o reino das coisas normais, agradáveis e respeitáveis, é a vida com tudo o que tem de tentador e banal; é isso que queremos..."



MANN, Thomas. Os famintos e outras historias. Trad: Lya Luft. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 154.

quinta-feira, 3 de junho de 2010