quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Feliz 2011

Outro ano,a constante luta finalmente justifica a célebre citação de certo filósofo alemão...Após tantas batalhas e algum aprendizado nenhuma grande lição,mas a renovada vontade de ferro.Encarando todo tipo de transtorno e realçando o necessário orgulho por ser diferente tomo o blog como confessionário,recanto poético e erótico desejando que 2011 seja produtivo em termos de cultura,arte e transgressão,pois o rebelde jamais rende-se.
Que toda inspiração e paixão continuem movendo atualizações e se necessário mudanças neste abrigo visceral da web.

Grato pelas visitas e próspero Ano Novo.


"Estranhos são os caminhos nocturnos do homem."

Georg Trackl

Beborn Beton - Eisplanet

Krissy Kiis






O beijo

Ainda toda quente da roupa tirada
fechas os olhos e moves-te
como se move um canto que nasce
vagamente mas em toda a parte

Perfumada e saborosa
ultrapassas sem te perder
as fronteiras do teu corpo
Passaste por cima do tempo
Eis-te uma nova mulher
revelada até ao infinito.

Fim de namoro

Poeira de estrelas,lembranças
De nosso fracasso,o abraço na noite
O último recado.
Até quando serei o espelho de nossos retratos ?
Ilusões de lascívia e paixão delirante
Sob o inevitável neon decadente ?

Beleza mais que ideal





Sou barbeiro

Sou barbeiro. É uma coisa que pode acontecer a qualquer pessoa. Quero dizer que até esse dia fui bom barbeiro. Cada qual tem as suas manias, eu não gosto de borbulhas.




Aconteceu assim: comecei a barbeá-lo calmamente, ensaboei-o com habilidade, afiei a navalha no braço da cadeira e suavizei-a na palma da mão. Sou um bom barbeiro! Nunca cortei ninguém e ainda por cima esse tipo não tinha uma barba muito espessa. Mas tinha borbulhas. Devo reconhecer que nas suas borbulhas não havia nada de especial, no entanto, incomodavam-me, enervavam-me, revolviam-me as tripas.


A primeira, contornei-a bem, sem grande dificuldade, mas a segunda começou a sangrar. Então, não sei o que me deu, acho que é uma coisa muito natural, aprofundei a ferida e depois, sem poder deixar de o fazer, com um só golpe, cortei-lhe a cabeça.




Max Aub  in. " crimes exemplares " antígona

Assim é a insônia

Os pensamentos ficam girando a noite toda.Estou dormindo? Será que já dormi? Assim é a insônia.
Tento relaxar a cada vez que expiro, mas seu coração está acelerado e os pensamentos em turbilhão na cabeça.Nada funciona. Nem meditação dirigida.
Você está na Irlanda.
Nem contar carneirinhos.
Você conta os dias, as horas, os minutos desde a última vez em que se
lembra de ter dormido. Seu médico dá risada. Ninguém morre por falta de sono.Sua cara parece uma fruta murcha e você acha que vai morrer.Depois das três da manhã numa cama de motel em Seattle, é muito tarde
para encontrar um grupo de apoio ao câncer. Tarde demais para encontrar ascapsulazinhas azuis de Amytal Sodium ou bastõezinhos de Seconal, toda acoleção do Vale das Bolas. Depois das três da manhã, você não pode ir a um clube da luta.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Dinno Valls


Frontal - Du

A QUEIMA DOS LIVROS

Quando o regime ordenou que queimassem em público
Os livros de saber nocivo, e por toda a parte
Os bois foram forçados a puxar carroças
Carregadas de livros para a fogueira, um poeta
Expulso, um dos melhores, ao estudar a lista
Dos queimados, descobriu horrorizado, que os seus

Livros tinham sido esquecidos.
Correu para a secretária
Alado de cólera e escreveu uma carta aos do poder.
Queimai-me! Escreveu com pena veloz, queimai-me!
Não me façais isso!
Não me deixes de fora! Não disse eu
Sempre a verdade nos meus livros?
E agora
Tratais-me como um mentiroso! Ordeno-vos: Queimai-me!






Bertolt Brecht, in "Poemas" asa, 2008
trad. Paulo Quintela

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O importante

Quando te procurei
Estaria por acaso a verdade à minha espera?
O amor ocorre num espaço flutuante
Num exíguo lugar-nenhum
E o sonho é matéria incerta
Mestre na arte da fuga.





Ana Hatherly, in "A Neo-Penélope" & etc, 2007

Nocturno

Neste anoitecer Vénus aparece sozinha
E no caminho de casa as penas são como seda
Como a túnica de um múltiplo fantasma
Como asas despedaçadas num céu de leite.
Em breve as gaivotas transformar-se-ão na pedra
Que procurei e perdi além, na senda dos
Bosques onde eu e a minha ignorância
Caminhámos juntos sobre as mãos e os joelhos
E juntos continuamos a caminhar sob a palidez
De um belo anoitecer muito amado,
Mas este anoitecer é a minha prisão
E os polícias brilham entre as árvores.





Malcolm Lowry, in "As cantinas e outros poemas do álcool e do mar" assírio & alvim, 2008

sábado, 4 de dezembro de 2010

"Margareth, Paris"


Bruno Bisang,"Margareth, Paris", 1998. Silver Gelatine Print. Größe 20x24. 2000 Euro. Edition: 25 (PhotographersLimitedEditions.com)

Marc Baptiste, "My Hotel"


Marc Baptiste, "My Hotel", 2003. C-Print. Größe 40x50. 3500 Euro. Edition: 25

Flora P.: "blut2_0131", 2010

SE TE NOMEASSE CINTILARIAS

Se te nomeasse cintilarias

no beco de uma cidade desfeita

e o chumbo dos labirintos derreter-se-ia

na veia branca da noite uma estátua

de areia talvez um barco sulcasse

a cabeleira aquática da fala e

nenhuma porta se abriria sob teus passos



onde estamos? onde vivemos?

no desaguar tenebroso deste rio de penumbra

não beberemos ao futuro do homem

nem festejaremos o rugido triste da fera

moribunda


mas se te nomeasse

que desejo de sexo e da mente a medrosa alegria

em mim permaneceria?



Al Berto in. "Transumâncias"

H

O coveiro subiu três degraus e pisou a soleira.


Os cabelos longos e negros da morta cresciam ainda, alimentados pelos ossos, varrendo o chão de todas as impurezas que lhe insultavam o andar.

Com a morta nos braços, o coveiro abriu o mais que pode os seus grandes olhos infectados. E quando finalmente a deitou sobre o lado virgem da cama, cobrindo metade da morte com um lençol velho e amarrotado, disse para si mesmo:

- Não posso coçá-los. Tenho comichão, mas não posso coçá-los. Se os coçar posso perdê-los.

Ainda vestido e calçado, deitou-se ao seu lado. Afogou-lhe os cabelos com a ponta dos dedos. Aproximou o nariz mal treinado para odores mais intímos a uma das axilas recém-barbeadas da morta. Os seios destapados, gelados e duros, relampejavam no escuro como duas laranjas cobertas de geada. E foi nesse preciso instante - enquanto cheirava o doce e fixava as laranjas - que uma sensação já esquecida e apressada começou a possuir-lhe todo o corpo: ela estava nua, dura, e indefesa ao seu lado; ao contrário, o sangue do coveiro, fervente, revolto e espesso, mostrava-se vivo e confluía todo num trânsito desordenado, a uma só voz, em direcção à mesma artéria, para inflamar o mesmo músculo.

Com uma enorme erecção dentro das calças o coveiro constatou:

-É isto afinal o mundo.