sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Calígula

Ainda criança, cometeu incesto, provavelmente precedido de violência, com uma de suas
irmãs, Drusila, a quem ficou devotado, à sua maneira, por todo o resto da vida dela. É uma
questão em aberto saber se esse incesto terá sido causa ou resultado do seu desequilíbrio
mental; mas do que não restam dúvidas é que ele foi, durante a maior parte do seu reinado,
uma cabeça completamente oca.
Ao falecer Drusila, publicou um decreto declarando crime de pena capital alguém, fosse
quem fosse, rir, banhar-se ou tomar refeições com os pais, o cônjuge ou os filhos, durante
aquele luto oficial.

Não amou as restantes irmãs, antes as prostituía a quem entendia fazê-lo. Na sua vida
sexual, tal como na pública, revelava um forte componente sadístico. Se uma mulher lhe
despertava interesse, afastava-a do marido sem a menor hesitação; como foi o caso com
uma certa Paulina, que ele chamou a si desse modo e, depois de se servir dela durante um
breve período, mandou-a embora, proibindo-lhe, sob pena de morte, que jamais tivesse
outra vez relações sexuais com quem quer que fosse. Exibiu Cesónia, ”que nem era bonita
nem jovem”, inteiramente nua diante dos amigos, só a desposando quando ela já estava
perto de dar à luz um filho dele.

Tanto aos criminosos comuns, como a toda a população romana em geral, infligia as
crueldades físicas e mentais que lhe ditava o seu cérebro mais do que semialienado. Aos
criminosos já julgados e sentenciados, atirava-os para pasto dos leões; e ninguém estava
livre do constante perigo de morrer sob tortura, nem mesmo os cortesãos que o cercavam.

Certa vez, num banquete, subitamente desatou numa desmedida gargalhada e, quando os
cônsules que estavam próximos dele polidamente inquiriram o motivo daquela hilaridade,
respondeu-lhes: ”É que se eu tivesse feito apenas um único sinal de cabeça, poderia tervos
degolado a todos, aqui mesmo.” Combinava um misto de infantilidade e diabólico
requinte, nas torturas que aplicava, particularmente tratando-se de acrescentar agonia
mental à dor física. Fazia questão de que se procedessem às inquisições pelos tratos em
sua presença, estando ele a banquetear-se e, duma vez em que, num jantar, foi apanhado
um escravo em acto de furtar uma peça de prata, ordenou Calígula que se cortassem as
mãos ao ladrão e lhas pendurassem ao pescoço, juntamente com um cartaz em que se
esclarecia a razão daquele castigo e assim fosse o supliciado feito percorrer todo o salão.

Nos banquetes, convidava para junto de si as mulheres que cobiçasse, tendo sempre o
cuidado de convidar também os respectivos maridos, ao mesmo tempo, e então, ao
passarem elas aos pés do seu leito, ”ele as examinava de alto a baixo, de modo
discriminativo e acintoso, como se estivesse a comprar escravos, chegando até a estender
a mão para fazer erguer o rosto de quem quer que o houvesse baixado pudicamente; em
seguida, sempre que lhe dava na veneta, deixava a sala e mandava que lhe levassem aquela
que lhe agradara mais, voltando pouco depois, com evidentes sinais exteriores na sua
pessoa do que se teria passado e, inclusive, emitindo comentários ou críticas sobre a
comparte, passando em revista os encantos ou as deficiências, dela, bem como a
intensidade das suas reacções. A algumas delas, mandava declarações de divórcio em nome dos
maridos ausentes, fazendo constar tais documentos dos registos públicos... quase não
havia uma só mulher de alta condição da qual ele não se aproximasse”.


Burgo Partridge in HISTÓRIA DAS ORGIAS

(Tradução de Leonel Cândido Silva Phébo)

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